Aconteceu de novo: clientes acusam Carrefour de racismo
Aconteceu de novo e de novo. No intervalo de dois dias, o Grupo Carrefour foi acusado de racismo em episódios ocorridos em Curitiba e em São Paulo. Ao longo deste texto, vamos analisar as notas de posicionamento enviadas à imprensa, o pronunciamento da empresa na TV e ainda o histórico da rede em casos parecidos.
Primeiro, vamos aos casos. Em Curitiba, uma professora tirou a roupa dentro do Atacadão, supermercado que pertence ao Carrefour, em protesto contra o racismo. Segundo relato, ela fazia compras quando se sentiu perseguida por seguranças do mercado por mais de 30 minutos.
Em São Paulo, um homem negro contou que não foi atendido em uma caixa da unidade do grupo, mas que viu uma mulher branca sendo atendida logo em seguida.
Os casos ganharam tanta repercussão que viralizaram nas redes sociais e mereceram destaque do presidente Lula, que endureceu as críticas ao Supermercado.
As notas do Carrefour à Imprensa
No caso de Curitiba, o Carrefour disse:
“O Grupo Carrefour Brasil está completamente comprometido com uma total transparência e segue postura de tolerância zero contra qualquer tipo de racismo.
A companhia abriu apuração interna sobre o caso e suspendeu o funcionário indicado pela senhora Isabel durante esse período de investigação.
O Grupo Carrefour Brasil é uma empresa brasileira de capital aberto com 47 anos de presença no país, a maior empregadora privada do Brasil, com mais de 150 mil colaboradores, e comprometida com uma extensa agenda antirracista.”
Quanto ao episódio de Alphaville, em São Paulo, a rede emitiu o seguinte posicionamento:
“O Carrefour informa que às 15h do dia 07/04 o Sr. Vinicius teve o atendimento recusado por uma operadora de caixa na fila preferencial, sem justificativa. A colaboradora, que estava em período de experiência, foi imediatamente afastada pela gerência e desligada no mesmo dia. Acolhemos o cliente no momento do ocorrido, tendo seguido em contato com ele desde então – e continuamos abertos ao diálogo. Temos uma política de tolerância zero contra qualquer tipo de comportamento desrespeitoso, além de promover esforços constantes na conscientização dos nossos colaboradores.
Nos últimos dois anos o Carrefour assumiu a responsabilidade de fazer uma transformação de dentro para fora no combate ao racismo estrutural no país, com investimento de mais de R$ 115 milhões em ações a favor do empreendedorismo negro e na área de educação. Por exemplo, todos os nossos colaboradores são constantemente capacitados para uma postura antirracista (…) e recentemente firmamos uma parceria com a Faculdade Zumbi dos Palmares para criação do primeiro curso de nível superior para formação de profissionais antirracistas na área de segurança.”
O histórico do Carrefour
Os dois posicionamentos são bem elaborados e respondem bem aos episódios. Neles, a empresa fala de ações efetivas em contraponto ao ocorrido. Aborda a demissão da funcionária, trata da investigação interna, da política de tolerância zero a comportamentos desrespeitosos e do investimento em ações antirracistas.
Entretanto, o histórico da empresa e o pronunciamento na TV após o fatos marcam negativamente o gerenciamento de crise do Carrefour nesta história.
Você deve se lembrar que, em 2020, um homem negro morreu após ser agredido por seguranças do supermercado em Porto Alegre. À época, o Carrefour assinou um termo de ajustamento de conduta (TAC) prevendo o investimento de R$ 115 milhões em ações de enfrentamento ao racismo.
Mesmo com o TAC, treinamentos internos e outras ações, o Carrefour se vê, novamente, envolvido em casos de racismo.
Pra piorar, a gota d’água veio após pronunciamento da empresa na TV aberta. A nota, ao invés de transmitir as mesmas mensagens daquela enviada para a imprensa, quis ir além e aumentou ainda mais o problema com a frase:
“Metade dos nossos 150 mil colaboradores são negros”.
A afirmação ofuscou todas as demais iniciativas de combate ao racismo enumeradas pelo grupo. Nas redes, páginas repercutiram a nota e internautas não perdoaram a frase mal colocada. Alguns disseram:
– “É o famoso como posso ser uma empresa com atitudes racistas se eu até tenho funcionários que são negros?!”.
– “Não somos racistas, vamos até botar meta de 150 mil colaboradores negros aqui.”
O que fica de lição?
Parece que o Carrefour não aprendeu com o grave erro de 2020. O caso da varejista, aliás, tem semelhança com o que relatamos há pouco tempo aqui sobre o Lollapalooza, acusado de trabalho escravo em várias edições do festival.
Se houve investimentos milionários por parte do Carrefour, a impressão que fica é de que o treinamento de profissionais que estão, principalmente, na linha de frente é ineficaz.
Outro ponto a destacar é a gestão da crise pelo time de marketing e comunicação da empresa. Se a nota à imprensa seguiu o script, o posicionamento em tv aberta tentou mostrar o comprometimento da empresa com o antirracismo, mas errou. Tudo foi por água abaixo em função de uma única frase.
Às vezes, ser sucinto e não dar brechas para interpretações dúbias é o melhor caminho.
Contudo, para o Carrefour, neste momento, não há nada mais importante do que trabalhar para que eventos como este não voltem a ocorrer. Do contrário, a reputação da rede cai a um descrédito difícil de ser recuperado em curto prazo.